Abril, futuro e passado
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Abril, futuro e passado.............a radicalidade do Socialismo na defesa da democracia e dos excluídos...
O "caminho para o socialismo".
Depois de Abril, dizia-se, todos os partidos queriam ir para o socialismo....uns pela via revolucionária, outros pela via do poder popular e democracia directa, outros pela via da social-democracia, vulgo socialismo democrático, outros pela via personalista/reformista (seja lá isso o que fôr), outros pela via reformista cristã.............o paradigma estava definido........mesmo com um "programa mínimo" o socialismo estava garantido. Assim era o texto constitucional. Estávamos em 1976.
"Direita" não havia.....então, se até o centro estava no CDS, que era o limite do espectro......tudo o resto era à sua "esquerda", obviamente....
Por onde andavam os neo-fascistas?
Ora, pois bem, onde estavam representados os da direita, os Pides, os bufos, o capital financeiro e industrial revanchista, os neo-fascistas, acabados de ter uma derrota histórica, sim por onde andava essa gente?
A ala liberal
Existia na anterior governação, uma dita "ala liberal" que se fazia eleger nas listas do partido da ditadura, a União Nacional/Acção Nacional Popular.
Era um grupo minoritário que tinha a clarividência que faltava à ditadura, que durando quatro décadas, até então, vingou fruto da passividade de uma Europa das democracias liberais complacentes com as ditaduras ibéricas, e que, todavia, como se viu, não poderiam, pois, durar muito mais.
Havia que fazer reformas no regime e prepará-lo para o seu ocaso e consequente transição, a isso estavam.
Acontece que a ala ultra era mais forte e umas tentativas de abertura do regime rapidamente foram eclipsadas e mesmo o endurecimento do próprio regime foi a resposta que veio do interior ultra contra essa possibilidade.
Ora a nossa "ala liberal" de alguns bons quadros políticos, sobretudo advogados, foram ficando com cada vez menos espaço político face à ofensiva dos ultras do regime, que tinham em Kaúlza de Arriaga um dos delfins dessa corrente, ou ainda mais ultra que o próprio regime.
A ala liberal depois de Abril
Quando se dá a revolução de Abril, a "ala liberal" viu uma possibilidade de ter expressão orgânica, já não na ditadura, mas na democracia. Deles faziam parte nomes como Magalhães Mota, Miller Guerra, Sá Carneiro, Pinto Balsemão, entre outros.
O partido que, então, decidiram fundar chamava-se PPD (Partido Popular Democrático), sim o tal para quem o Paulo de Carvalho escreveu e fez o hino.
A ala da democracia cristã, defensora das teorias sociais da Igreja decide, também ter expressão orgânica e funda o CDS, com Adelino Amaro da Costa, que veio a ser vítima de acidente de aviação, juntamente com Sá Carneiro e outros, em Camarate, enquanto Ministro da Defesa de um governo AD de coligação PPD/CDS/PPM, e Freitas do Amaral, como os políticos mais conhecidos. Partido esse que vota, na Assembleia Constituinte contra a aprovação da Constituição da República Portuguesa, a primeira democrática em mais de 50 anos.
Eram uma elite "bem pensante" que vinha do interior do regime, ligados à hierarquia da igreja, mas abertos para o jogo da democracia representativa de cariz ocidental.
E os ultras? O enterismo na ala liberal.
Ora continuamos a não ter expressão orgânica para os duros do regime deposto, derrotados nem para os ideólogos dessa corrente como Jaime Nogueira Pinto, entre muitos outros.
Os mais "inteligentes" e "aparelhísticos" de diversas origens, incluindo alguns ultras monárquicos, como o Sousa Lara, secretário de estado da culrura, que no governo de Cavaco impede Saramago de concorrer a um prémio literário internacional, em representação do país, encontram no PPD o partido ideal para se introduzirem.
Não que se identificassem com o que a "ala liberal" representava, mas por entenderem que dadas as alternativas era o menos mau e que estava na área da governação, possibilitando não só o trabalho de enterismo político/ideológico, como também ir minando reformísticamente as coisas no país, sempre que o partido governasse, o que sempre fizeram e ganharam influência interna, caso do José Miguel Júdice, Santana Lopes, entre outros. Ir destruindo o Portugal de Abril paulatinamente.
Ora como o CDS tinha uma reduzida expressão, ficou como o partido da expressão social da igreja e de algumas elites agrárias e ruralistas, que combatiam a Constituição e ideológicamente a narrativa socialista da mesma, tentando, junto com o PPD e com a anuência e colaboração de sectores do próprio PS, (António Barreto foi expressão dessa corrente na governação socialista na destruição daquilo a que se chamou Reforma Agrária, sobretudo nos campos do Sul de Portugal e Maldonado Gonelha na ofensiva política contra o movimento sindical e as conquistas laborais - membro da "Trilateral", ao que se dizia na época e nunca desmentido) destruir parte das conquistas da revolução de Abril na sua componente democrática, económica e social.
E os "operacionais" ultras?
A extrema direita nas poucas vezes que se tentou organizar e participar em tentativas golpistas, a ala mais operacional contra a democracia nascente, nos golpes do 28 de Setembro, e 11 de Março, ao ser derrotada via os seus partidos ilegalizados de imediato (Partido Democrata Cristão, Partido Liberal, entre outros) e os seus dirigentes detidos.
Iam sendo desmanteladas as opções mais operacionais para derrubar a democracia nascente. Criaram alguns projectos marginais que nunca tiveram grande sucesso nem expressão, desde o PDC (partido da democracia cristã) ao MIRN (Movimento Independente para a Reconstrução Nacional), e outros projectos chamados de liberais, Partido Liberal, mas que viram a ilegalização e a acusação de participação em tentativas golpistas como a razão para o seu epílogo.
Foram perdendo a parada à medida que o processo revolucionário se radicalizava e avançavam as conquistas populares de Abril.
Venceu a ala política dos ultras, na sua estratégia.
A ala ultra da estratégia política de enterismo nos partidos do espectro política à direita venceu contra os operacionais do golpismo, pois ainda não estavam criadas as condições para a acção política directa e durante décadas assim foi.
Era sobretudo no PPD, que muda o seu nome para PSD, numa oportuna acção de marketing político, sem nenhuma correspondência ideológica, que se situavam os barões ultras da nossa direita. Por comodismo, oportunidade política e análise de trabalho de longa duração, sempre com o fito de aproveitarem todos os momentos, aquando no exercício da governação, para as mudanças reformistas que entendiam necessárias para mudar a narrativa constitucional, e que foram conseguindo nas várias revisões constitucionais. Mas sempre com a colaboração do PS, sempre dominado pela sua ala mais à direita, a até mesmo mudanças legislativas significativas como a da definição dos sectores económicos na sociedade portuguesa, levando à redução e depois quase à extinção do sector estratégico empresarial do Estado, fruto das nacionalizações de importantes sectores da economia e até mesmo da legislação laboral, ficando, esta, cada vez mais nefasta para os trabalhadores.
Onde foi incubado o "ovo da serpente"?
Ora bem, sendo o PPD/PSD como alguns ultras referem, ainda hoje, por lhes custar a engolir a terminologia de "social-democrata", a barriga de aluguer de alguns sectores neo-fascistas existentes na democracia portuguesa, e mesmo misturando-se com segmentos que defendem a social-democracia, nunca estes tinham entendido ser o momento de saltar fora e darem expressão orgânica a esse projecto de extrema direita assumida e independente dos projectos existentes. Até porque, constitucionalmente, isso lhes era vedado.
O fascismo e neo-fascismo como expressão política organizada são crime, e bem, no texto constitucional.
Não são permitidas organizações políticas que o perfilhem claramente. Podem dissimular como o PNR, (ex-PRD, com a artimanha de um congresso interno que lhe mudou o nome e aproveitou a legalização desse inicial partido eanista - que um dia ainda será feita a história dessa transição orgânica do eanismo para a extrema direita trauliteira).
Mas, dizia eu, que preferiam, até à data, continuar nesse trabalho de sapa no seio do PPD/PSD.
Novas gerações ultras surgem.
Novas gerações emergem e um candidato do PPD/PSD ao município de Loures decide lançar umas tiradas racistas com o estratégia populista para sacar mais votos a uma abstenção mais conservadora e reaccionária e obter um melhor resultado. Foi eleito. Mas na celeuma criada não deixou de ter a visita do dirigente nacional do PPD/PSD, Passos Coelho para lhe prestar claramente o seu apoio. Esse autarca era o Ventura.
A extrema direita organizada e grupos de neo-nazis prestam-lhe, desde logo o seu apoio. Estava criada a dinâmica para uma expressão orgânica independente, da extrema direita, com alguém que não andava de mocas na mão nem de suástica gravada nos braços.
Era jovem, advogado, professor universitário e tinha um discurso fluente e populista. Buscava organizar o populismo de extrema-direita, criar uma narrativa identitária e mobilizadora com esses mesmos princípios.
Os objectivos eram ser contra etnias minoritárias e sobretudo os pobres e dependente de apoios sociais. O aconselhamento ideológico faz-se também com outro ideólogo da extrema direita, ex-dirigente do extinto MIRN e ligado, também à rede terrorista, há anos afastado da política activa e que resurge agora, Diogo Pacheco de Amorim.
"Regularização" da extrema-direita pela direita.
"Alea Jacta est", para a nossa extrema-direita e o dirigente do partido "barriga de aluguer" dessa mesma extrema direita, pois Rui Rio, decidiu dar visibilidade constitucional orgânica a esse projecto para a área da governação. Por agora nos Açores, com acordo político com o PSD Açoreano.
Estão lançados os dados e está "regularizada" a extrema-direita pela mão do PPD/PSD, o mesmo que lhe serviu de incubadora durante décadas. A "velha senhora" está a tentar caminhar e Rio Rio deu-lhe a mão.....vamos a ver quantos passos dará e de quanto tempo será a caminhada, mas uma coisa é certa, foi Rui Rio e o PPD/PSD a levantá-la do cadeirão da história onde estava sentada há décadas.
A nossa direita segue a mesma trajetória de algumas direitas europeias, não terem nenhum problema de consciência em negociarem e legitimarem uma extrema-direita que tem por fito acabar com a democracia e com a Constituição de Abril.
Defender a Constituição de Abril e a democracia daí emergente.
Estejamos preparados para defender a democracia, para enfrentarmos este populismo criminoso, xenófobo e fascista, anti-democrático, contra os pobres, que ameaça, ainda que por agora, ténuamente, a democracia portuguesa. Nenhuma confiança nesta direita oportunista que pactua com fascistas orgânicos.
Recuperar o abstencionismo para a democracia.
É fundamental trazer, de novo, para o jogo democrático, todas as franjas abstencionistas, descontentes, e marginalizadas, encontrando soluções de justiça e solidariedade social, integração e interacção em que ninguém pode ficar de fora. Só assim Abril terá sentido, ou teremos o pasto ideal para as chamas dos criminosos populistas progredirem e ameaçarem o regime democrático instituído com o 25 de Abril.
Enfrentar a tentativa de destruição do regime democrático implica uma grande mobilização nacional pela justiça social, contra a corrupção e pela credibilidade dos cargos políticos ao serviço do país.
Governar "bem", para além da intensa propaganda.
Não basta que alguma esquerda se diga de esquerda, tem de governar sem excluir ninguém, e em favor das classes sociais mais pobres e marginalizadas, não com "caridade e bancos de alimentos", ou dádivas pontuais, mas com medidas estruturais que permitam fazer futuro e construir sonhos de vida e projectos de vida com continuidade e sustentabilidade.
Ganhar as ruas. Um novo 25 de Abril.
Abril ganhou-se e consolidou-se nas ruas. A democracia ganhou-se nas mobilizações que se fizeram por todos os cantos do país. Defendê-la é igualmente nas ruas que tem de ser feito. Garantir direitos e conquistas e avançar no aprofundamento da democracia.
Nisso devem estar empenhados todos os democratas, republicamos e socialistas.
Boa noite e perdão pela extensão do texto, que saiu ao "correr da pena".
Pensem nisto, por favor.
"Saúde e República".
Francisco Colaço (escrito em 20 de Novembro de 2020)
Obrigada pelo texto - uma análise muito lúcida e concreta sobre a realidade portuguesa no "imediatamente-antes" e no post-25 de Abril. Vou guardar, para leitura mais atenta.
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